12 dezembro 2011

Inevitabilidade

Às vezes, como agora, parece-me uma total e completa estupidez escrever.
Não o acto de escrever, organizar letras até que formem palavras, e palavras que formarão frases, mas escrever passando uma mensagem através daquilo que temos dentro.
Não, também não falo de escrever debitando matéria em testes da escola, cartas, acordos ou contratos, mas escrever a vida e as emoções.
Viver disso, quero dizer.
E o que é isso de se ser escritor?
Quando passamos a sê-lo? Quem nos confere esse titulo, nós ou os outros? Se os outros, que outros?
È necessário editar um livro e ser um sucesso de vendas, ganhar prémios e consursos literários, estar no Top de vendas? Ou basta escrevermos para nós, às escondidas e às escuras, enfiados na cama a rever mentalmente aquilo que se nos explode boca fora?
Questiono porque desde sempre que esta foi uma certeza inabalável para mim, na minha cabeça de 5, 10, 12, 20 anos, que tenho dias em que me parece ridiculo não me afirmar como sendo, de facto, escritora, e outros em que vou ao banco, à loja do cidadão, em que conheço alguém no Bairro Alto, e me perguntam:

- Entao, qual é a tua profissão? ou Então, o que é que fazes?
e eu, apesar das minhas inabaláveis certezas, me sentir patética ao responder
- Sou escritora. ou Escrevo.

Que raio de coisa é essa de se escrever? E em boa verdade, que sei eu disso...desse bicho que é a Palavra?
E quando me sento a escrever e o meu olhar salta da mesa para o bloco de folhas e do bloco para a caneta e da caneta para a mesa ao lado e da mesa ao lado para a janela, e os meus pensamentos pulam do significado daquilo que sinto para a forma como o quero descrever e da forma como o quero descrever para o valor do que escrevo e do valor do que escrevo novamente para a eterna questão que me assombra e afunda, que me preenche tão totalmente como me provoca grandes e profundos buracos negros dentro

- Quem sou eu?

Sou aquilo que sinto e me persegue qual falcão desde que me (re)conheço, e antes disso ainda, porque antes de nos (re)conhecermos já existiamos dentro de tudo, já éramos matéria, e certezas, e vida, e desejos, e vontades, antes de tudo aquilo que existe
(os carros, as casas, as canetas, os blocos de papel, as pedras, os rios, o mar e a lua)
já existíamos dentro de tudo.

ou

Não sou de facto nada, não faço nada, nada me define. Nada é meu a não serem as minhas esferográficas, os meus cadernos, as minhas palavras escondidas e escuras, as minhas histórias sempre demasiado tristes, a minha certeza individual, o meu inferno pessoal, de que, talvez, em dias que são bons dentro de mim, eu possa ser uma escritora.
E é por isso que quando me perguntam:

- Então qual é a tua profissão? ou Então o que é que fazes?
eu digo
- Nenhuma. ou Nada.

e de vez em quando, só de vez em quando, fico quase feliz porque sei, no mais fundo de mim, que esse nada é tudo, é a minha certeza pessoal, é a minha inevitabilidade. Estar e ser escritora.
Está-me no sangue, não é algo do qual possa simplesmente ver-me livre. Um pouco como o verdadeiro amor, do qual temos muito pouco a dizer ou decidir.
Não é uma escolha, é uma condição. È um estado de espirito em estado sólido, cimentado, acorrentado, condenado, escrito.

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