22 dezembro 2011

Rio de Janeiro com vista para o rio

O Rio de Janeiro não fica no Brasil, lá não faz calor, ou faz, mas não é o Sol quem o provoca.
O Rio de Janeiro é um sitio virado para o rio, com vista para o rio, com janelas grandes viradas para o rio. O rio, há sempre o rio ao fundo, até em dias de chuva, até em dias de tempestade.
O rio de janeiro é uma casa, tem paredes e portas, e móveis e livros e discos. Há muitos discos no rio de janeiro, muitos cadernos cheios de folhas em branco ansiosas para serem escritas e cantadas.
Há tesouras que cortam cabelos, há camas com cheiro a sexo misturado com olhares de milénios que não saem com o corpo, que se deixam ficar pousados na mesinha de cabeceira à espera que o sangue volte, e o confunda com o sexo e com a musica e com os livros.
Ao rio de janeiro chega-se sempre devagar, percorrem-se as estradas com calma e em silêncio. Deixam-se muitos espaços para a leveza que é sentir os sulcos da rua empedrada ou alcatroada, deixam-se lugares para trás, esquecem-se esses sitios porque o rio de janeiro é grande, muito maior que qualquer outro, não deixa espaço para outros, exige o esquecimento temporário do que existia antes.
O rio de janeiro vive-se a vulso. Estar-se lá é uma fenda no espaço e tempo. Há a musica, sempre musica. Os livros, sempre os livros. Os filmes, sempre os livros. Palavras, imensas. Das que se dizem, das que se sentem, das que se guardam e das que em vez de letras têm toques e beijos.
No rio de janeiro fazem-se planos, mas planos utopicos, daqueles que só ousamos fazer quando saimos do elevador para a porta de entrada, e da porta de entrada para o ar que só se respira no rio. São planos inocentes e felizes, são planos que se querem muito, que se desejam tanto, tanto...
Mas o rio de janeiro é egoista e ladrão, o que lá se passa não sai nunca mais. as musicas lá escutadas e dançadas nunca o serão em mais local nenhum. os livros lidos e discutidos ficam lá trancados em gavetas e prateleiras. os filmes só têm o sentido que o rio lhes dá, vistos de fora geram-se lacunas, geram-se confusões e aquilo já não faz sentido nenhum.
Para o rio vai-se para o rio. Não se vai para mais lado nenhum.
O rio de janeiro guarda todos os segredos do mundo, e todas as vontades, e todos os planos.
Quando se sai do rio de janeiro ficam os cabelos espalhados no chão, os discos dentro das capas, os livros enfiados nas estantes, os olhares pousados na mesa de cabeceira.
Quando sai do rio de janeiro a ultima vez sabia que nunca mais lá iria voltar, sabia-o e no entanto deixei lá os meus olhos dentro de um copo de agua. deixei-os porque fora daquelas paredes não existe nada que valha a pena ver com aqueles olhos que deixei esquecidos.
e quando penso no rio de janeiro com vista para o rio, quando o escrevo e quando o lembro, sei que ele está lá no mesmo sitio, e que aquilo que ele me diz baixinho, de mansinho, com a delicadeza importante que so os sitios como o rio têm, é que foram os abutres, que eu deixei que me usassem como alimento, que fizeram de mim uma coisa para a qual já não existe espaço dentro. uma coisa que deixou que as perdas e danos lhe toldassem as ideias e a beleza. uma coisa que tem que respirar fundo muitas vezes, inspirar com muita força para saber, ter a certeza absoluta, de que o rio de janeiro com vista para o rio não foi um sitio sonhado.
Tudo aconteceu.

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