18 março 2012

Aeroporra, de José Luis Peixoto

"Zé Luis, não vale a pena continuares a procurar o amor em aeroportos. Toda a gente tem um avião para apanhar. Até tu tens um avião para apanhar. Na extrema coincidência de a pessoa por quem te interessares estar à espera do mesmo avião que tu, o mais certo é que, ao aterrarem, tenham destinos completamente diferentes: tu estás a ir encontrar-te com pessoas que não conheces num lugar que não conheces; ela está, por exemplo, a chegar a casa.
Além disso, o mais habitual e provável será que as malas dela cheguem muito antes do que as tuas e a vejas afastar-se, empurrando o seu carrinho, enquanto tens a intenção de lhe estender o braço, mas não o fazes e apenas constróis essa imagem mentalmente. Não, Zé Luis, não é a luz que as faz parecer mais atraentes. A claridade branca dos aeroportos, o ar-condicionado, nunca beneficiou ninguém. Ès tu, são os teus olhos de fantasma, criatura destacada do mundo. Podes ver, mas não podes tocar. Se lhe disseres alguma coisa para além do "por favor/please", "obrigado/thank you", não serás ouvido. A tua voz, Zé Luis, existe sobretudo dentro de ti, mas isso já sabes, claro. Seria muito dificil que não o soubesses.
E mesmo quando chegas, quando pensas que chegas. Telefonas a alguém que se surpreende. "Estás cá? Pensava que não estavas cá." Não chegas nunca, Zé Luis. Quando fizeres escala num aeroporto - sim, Frankfurt, Zurique, Munique, Londres, Paris, Milão, São Paulo, Nova Iorque - não olhes para a rapariga da caixa que te vende uma senha e que te devolve o troco. Esse é o teu erro. Não interessa a forma dos seus olhos, nem se lhe distingues um sorriso, nem o tom da sua pele, nem o seu pescoço. Não te imagines a deslizar as costas dos dedos no seu pescoço. Não imagines nada. Queres tomar um café? Então, pede um café. Zé Luis, vai lá e pede um café/coffe. Depois, transforma-te em sueco. Não olhes a rapariga da caixa nos olhos. Agradece - "obrigado/thank you" - apenas. Sempre sueco, leva o café na pequena bandeja e senta-te. Não vejas as pessoas que estão à tua volta. Não as descrevas para dentro de ti. Ao fazê-lo, estarás a transportá-las para o teu interior e, sabes bem, esse caos já está sobrepovoado.
Zé Luis, Zé Luis. Procura o terminal de onde parte o teu voo. Segue as setas. Olha apenas para as setas, as letras, os números. Depois, procura o portão de onde parte o teu voo. Não procures amor no ecrã das partidas, procura nomes de cidades e horários. Quando chegares ao lugar de onde vais partir, senta-te e espera. Não olhes em volta, Zé Luis, pode algum olhar cruzar-se com o teu e, depois, já sabes. Inventas tanto. Se andas sempre a carregar esses livros todos, a derrotar as costas, porque não lês um pouco? Vais ver que o tempo passa depressa. Depois, no interior do avião, também passará depressa. Agora, até as viagens de dez horas passam depressa. Tudo se aprende, Zé Luis. Até a ser sensato. Sobretudo quando as circuntâncias te obrigam. Por isso, não procures o amor em aeroportos, procura after-shave no free shop. E se passar uma hospedeira e olhar para trás, directamente para ti, se voltar a olhar e voltar a sorrir, lembra-te que deve trabalhar na Emirates, deve ir para o Dubai e que as probabilidades de revê-la são zero. Mas, ainda mais a sério, ainda mais a sério, se aquela rapariga da cafetaria, a que está sentada na mesa ao lado, com um vestido de alças, se ela se virar para ti e disser "olá/hello", finge que não ouves. Zé Luis, peço-te que continues a brincar com os dedos, que continues com o olhar embaciado numa cor ou em várias cores. Bastará olhares para ela uma vez. As drogas e as mentiras são assim. Se olhares para ela, se responderes - "olá/hello/salut/hola/ciau/bok/hej" -, sabes o que vai acontecer? Ela vai sorrir para ti. E tu, claro, de certeza absoluta, vais sorrir para ela. E vão conversar. E não interessa aquilo que ela diga, não interessa a vida que tenha para te descrever em meia duzia de frases escolhidas. Também tu vais descrever uma parte infima da tua vida na mesma meia duzia de frases. E esses esboços de vidas vão parecer duas peças de lego que encaixam na perfeição. E os vossos nomes vão parecer lindos lado a lado: Zé Luis e Paloma, Zé Luis e Brigitte, Zé Luis e Zjelka Marja. Trocam endereços de e-mail, claro. Mais tarde irás venerar o papelinho onde ela escreveu o seu contacto, irás olhar para ele dezenas de vezes.
Depois, se ela for escandinava ou se estiverem embriagados, despedem-se com um beijo nos lábios. Metaforicamente, não vais precisar de avião para voar. Num instante, vão passar-te pela cabeça todas as possibilidades de não apanhares o avião que tens para apanhar e ires com ela. Mas é impossivel, claro. Não há possibilidade de comprares bilhete para um voo que vai partir daí a cinco minutos e cujo check-in já fechou há muito. Além disso, as tuas malas já estão no porão do avião que tens de apanhar. Ai, Zé Luis, só te metes em porras. Já vais tendo a idade, mas, para aquilo que interessa, ainda estás longe, muito longe.
Por isso, escuta bem estes três conselhos que tenho para ti:
1- Não vale a pena continuares a procurar o amor em aeroportos;
2- Onde quer que estejas, telefona todos os dias aos teus filhos;
3- Escreve livros e cala-te."

1 comentário:

  1. Gosto muito dos textos do Zé Luís, identifico-me e admiro-o bastante ...
    E acho esta alegoria brilhante ...

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