02 março 2012

Paredes que gritam

Nunca ninguém foi feliz nesta casa.
Não percebo porque não a vendemos, alugamos, ou oferecemos. Se dependesse de mim chegava-lhe fogo, certificava-me de que mais ninguém aqui vivia.
Não somos nós, eu sei. Nós somos pessoas felizes. Temos ambições, sucessos, ganhamos prémios e temos sonhos bonitos quando nos vamos deitar.
È a casa. São estas paredes de tijolo e cimento que gritam a fingir que são mudas e nos convencem de que os gritos somos nós que os damos. Enquanto jantamos abrimos a boca e, em vez de entrar comida, sai um grito. Mentem-nos tanto estas paredes brancas, imaculadas, fingem-se puras. Puras e mudas...que mentira tão grande!
Vivemos aqui faz quase catorze anos e não me lembro de um só dia feliz. De um só dia tranquilo, confortável e seguro. E os outros, os das outras casas, dizem-me que são estas as coisas que fazem de uma casa um lar. Catorze anos é muito tempo para se ser sem-abrigo com tecto. Vamos queimar a casa, sim?
Acredita que por mim não há problema, juro que não fico triste nem choro.
Eu sei mãe, que tinhas a melhor das intenções quando a compraste. Que a quiseste decorar o melhor possível, que cá dentro quiseste criar a esperança de um futuro novo. Totalmente novo. Mas suspeito de que a esperança já não existisse, ou se existia todos falhámos redondamente no seu reconhecimento.
Não viemos para esta casa para sermos felizes. Viemos para esta casa para nos curarmos de coisas que não têm cura.
Sabes? Às vezes julgo que mais vale desistir, baixar os braços e aceitar. Só depois disto, muito depois, estamos autorizados a prosseguir. E para o processo é preciso ter um sitio especifico para onde vomitar a dor. Um sitio ao qual não tenhamos que voltar nunca mais. Um sitio ermo, sem eira nem beira, onde as paredes nos devem gritar para que lhes gritemos de volta e as deixemos aprisionar a gosma dolorosa que temos dentro.  Esse sitio foi esta casa. As paredes gritam e o chão vomita.
Nunca ninguém foi feliz nesta casa. Vamos desfazê-la, vendê-la, queimá-la, como preferires.
Já ficámos tempo demais, e quando permanecemos tempo demais acorrentados a fantasmas corremos o risco de nos tornarmos um deles.

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