22 fevereiro 2013

“Eu não sou o meu nome” de Pedro Paixão

“Eu não sou o meu nome. Eu sou o teu nome escrito do avesso. Eu sou o meu nome encostado à tua cabeça. O meu nome que foge de mim. O teu nome e o meu nome atados com cordas. O teu nome sou eu quando me debruço por cima do teu ombro. O meu nome a fazer uma pirueta. O meu nome a cair lentamente sobre a tua cama estreita de mulher. O teu nome dentro da minha boca. Sou eu a pedir-te que repitas o meu nome, sussurro a sussurro, letra a letra. Sou eu a dizer o teu nome que trago debaixo da língua. O teu nome no meu sexo estampado. O meu nome no teu sexo estrela. O meu nome é um sexo levantado. O meu nome é uma carícia que me fazes por cima da minha cicatriz. O meu nome é a cicatriz a meio do teu corpo. O meu nome plana por cima das planícies em busca do teu nome. O meu nome cai a pique junto ao teu nome. Nunca digas o meu nome. O meu nome não existe. Não vem em nenhuma página escrita. O meu nome é um cifra escrita a verde ultramarino. Verde ultramarino é a cor de que mais gostam os nossos nomes. O meu nome sobre o teu nome. O teu nome sobre o meu nome. Os nomes muito perto. Os nomes muitos. Os nomes exaltados. O meu nome em cadência lenta. O meu nome é forte como um bicho selvagem. Os nossos nomes percorrem as paisagens como cavalos endoidecidos. Quem diz o meu nome diz amor, qualquer coisa aflita. Quem diz o teu nome deseja ser atingido por um raio, elevado aos céus. O meu nome por dentro do teu nome. O teu nome a pedir perdão por tudo. O meu nome, o teu nome, agarrados por cordas, a cair num precipício. Os nossos nomes são coisas que se comem por dentro. As coisas pelos nossos nomes são aves sagradas. Nome a nome, coisa a coisa. O sol morre dentro do meu nome, na minha boca. O teu nome abriga numa mão fechada o que resta do meu nome. Nomes muito belos. Um nome sem nome. Um nome inefável, inomável. Um nome que ninguém conhece. Só o teu nome sabe o meu nome de cor. O meu nome a subir pelo teu. O teu nome repete o meu nome, nome a nome, sílaba a sílaba. As coisas pelos seus nomes. Os nomes pelas suas coisas. Cada coisa com seu nome, o nome sem fim. Cada nome com sua coisa. O nome do nome no umbigo do mundo.”

Pedro Paixão

05 fevereiro 2013

Diz-me que chegas tarde

Diz-me que vais chegar tarde. Por favor, diz-me que chegas tarde, que ficaste preso numa reunião, que está transito, que foste chamado para um colóquio noutra cidade e te vais ausentar um par de dias.
Já não tenho paciência para te fazer o jantar, para te passar as camisas ou elevar-te o ego. Quando me perguntas se tenho um amante digo-te sempre que não, e que outra coisa te poderia dizer? Não tenho, antes tivesse, que isto tudo era muito mais simples de resolver: arrumava os tarecos, passava umas tardes de sexo louco numa pensão barata, tinha orgasmos como os que já nem sei a que sentem, sentia aquela adrenalina de quando se faz alguma coisa que já não se deve fazer, porque já não é idade, porque o tempo passou e o corpo se cansou. Assim como as coisas andam, nem isso!
Com as minhas amigas aprendi a desejar que tu, e não eu, tenhas uma amante, quando lhes pergunto se acham que se pode dar o caso respondem-se espantadíssimas:
- Oh Carolina, havia lá agora o Jorge de ter uma amante! Àquele homem só lhe falta estender-te um tapete vermelho e beijar cada metro por onde passem os teus pés!
e riem-se muito. Riem-se de mim, e de ti, e da inveja que sentem de nós. O que me apetece é dizer-lhes que eu não quero tapete nenhum, que me enervam já os teus carinhos, os teus beijos apertados, os abraços durante a noite, a tua voz a dizeres que me amas como da primeira vez.
Ai Jorge, que eu sou tão má para ti, como é que só tu é que não vês isso? Como é que não entendes que o meu amor já se foi com os anos e que te tenho uma raiva profunda por me teres roubado a juventude, os sorrisos, as gargalhadas, mas principalmente por me dedicares essa ternura tão grande. Por te sentir tão triste quando te recuso o toque. Sou uma mulher horrível, mas porque é que tu não arranjas uma amante?
Porque é que não me dizes que vais chegar tarde e nunca mais apareceres, e eu daqui a uns anos a descobrir que fugiste para as Bahamas com uma mulher de voz entaramelada e peito firme, porque é que sabes sempre aquilo que deves oferecer-me pelos anos? Porque raio não perdes esse hábito irritante de me terminares as frases e de saberes a temperatura exata a que gosto de comer a sopa
- Minha querida, nem quente, nem fria, como gostas!
e me despejas um sorriso cheio de mim, cheio de nós e da nossa casa paga, e do nosso carro pago, e das nossas roseiras em flor e sempre impecavelmente tratadas porque nunca te esqueces de, ao sábado, as podares e regares, e de quando em quando me trazeres uma para casa e ma colocares, de forma envergonhada, no colo.
Jorge, meu Jorge, tanto amor que eu tinha por ti, tanta felicidade que eu me lembro de sentir quando te soube meu, a incredulidade de saber que era a mim que querias e nenhuma das outras colegas muito mais bem postas que eu.
Meu Jorge, meu Jorge, meu Jorge, quando dormes quero repetir e repetir estas palavras ao teu ouvido.
Sei que te amo, não duvido disso nem por um instante, porque foste tu amar-me tanto durante tanto tempo? É que se me tinhas tratado menos bem… se ao menos tivesses arranjado uma amante… se não me conhecesses de cor e salteado… se não me tens sufocado a vida inteira como teu amor incondicional, eu tinha aprendido o desamor, tinha chorado e tinha-me revoltado, mas isso tinha-me feito querer ficar. Sou uma besta, Jorge, e amo-te tanto, meu amor.
Promete-me que me vais seguir, promete-me que vais lutar por mim, que me vais pedir para não ir, mas depois deixa-me ir, e quando me deixares ir jura que me vais rejeitar as ligações, que não me vais responder às mensagens, que não me vais abrir a porta de casa, que vais mudar de numero, que me vais fazer sofrer com a tua ausência. Se o fizeres eu volto a amar-te loucamente, volto a querer a tua pele perto da minha, volto a adorar as rosas que pousas timidamente no meu colo.
Promete-me uma história de amor, Jorge, das reais, das do dia-a-dia, promete-me que me amas como deve ser, como manda a lei, com lágrimas e sangue e suor à mistura. Promete-me Jorge, promete-me.

04 fevereiro 2013

Cerastoderma edule

És importante. Não, espera, não acenes e digas só que sim, quero que leias isto até que te explodam estas palavras das veias. És importante, e isto é coisa que uma pessoa passam uns anos em cima dos outros e esquece-se de dizer, de repetir, e é verdade que existem palavras que devem ser repetidas várias vezes, principalmente estas, as que uma pessoa mais se esquece de dizer, e as que uma pessoa mais depressa se esquecer de que é.

És importante para mim, sê-lo-ás certamente para outras almas, mas aqui aquilo que eu quero que fique claro é que és importante para mim. Não importante como uma coisa da qual se sente muita falta e que se nos é roubado o ar quando não está presente. Importante como uma pessoa que sabemos fazer do mundo um sitio que mais e mais se pode aproximar daquilo que queremos que seja, importante como alguém que eu sei sentir as coisas no lado certo.

Não sei se algum dia vais ler estas letras (secretamente sei que sim e é por isso que continuo), mas tenho medo que se não as leres não o saibas e por algum motivo que me ultrapassa é-me absurdamente importante que saibas que é isto,no fim das contas feitas, que sinto por ti: uma importância terna e meiga. Não me faltas, não tenho qualquer necessidade de te tocar ou de olhar fundo nos teus olhos, mas quero egoistamente que alguém o faça por mim, e que dentro desses olhos profundos vejas tudo aquilo de és feito, que te permitas a sentir e a aceitar toda essa grandeza de que são feitos os teus sorrisos, e a tua voz, o teu coração e nos dias menos bons, as tuas lágrimas. 

Digo egoistamente porque o prazer de saber que alguém o fará é, antes de ser teu ou desse outro rosto, é meu. Sinto-o meu, inexplicavelmente meu.

Porque não me interessa muito, neste momento que te dedico, que sejas importante para outras pessoas, interessa-me fincar o pé nesta ideia e nesta certeza absoluta de que venham as marés que vierem, as tempestades, as coisas quase-perfeitas, saberás para a eternidade que hoje existiu alguém que te quis dizer coisas simples, sem pretensões ou moralismos, que importas. E a isto não necessito de adicionar mais nenhuma explicação.

Quero que saibas que o vento que sopra lá fora, e o frio que gela os ossos, e que os mares revoltos mais profundos dizem hoje todos a mesma coisa, e que essa coisa é a mais terna memória de ti, espécie portuguesa de um bivalve: Cerastoderma edule.